“Não há um mapa, e traçar um caminho à frente não será fácil. Precisamos inventar. O que significa que precisamos experimentar”.
Essa foi uma das frases mais marcantes da carta que Jeff Bezos, fundador e CEO da Amazon, enviou a todos os colaboradores do Washington Post, um dos jornais mais tradicionais do mundo, ao concretizar sua aquisição em Agosto de 2013. Apesar de enigmática, ela já dava o tom de um novo futuro para o negócio.
A reputação centenária do periódico, o principal responsável pelo Watergate que culminou com a queda do Presidente Nixon, em 1974, não estava sendo suficiente para conter o declínio de suas receitas publicitárias e número de assinantes.
O movimento de Bezos foi absolutamente controverso. Analistas inquietos se perguntavam sobre quais as reais intenções de um dos empreendedores mais bem sucedidos do planeta, que revolucionou o ambiente digital, ingressar em um segmento da economia tradicional que passava por severos desafios e questionamentos.
Alguns levantaram a hipótese de ganho de poder. Ego. Outros mencionavam sua mania de colecionador. Alguns bilionários colecionam carros, barcos, aviões. Talvez Bezos gostasse de jornais.
Em Fevereiro desse ano, no entanto, essas teses caíram por terra e ficou claro que não se trata de um hobby. O Washington Post foi eleito a 8ª empresa mais inovadora do mundo na tradicional pesquisa conduzida pela revista Fast Company compartilhando sua presença em um ranking composto por empresas líderes da nova economia como Apple, Netflix e a própria Amazon.
Afinal, o que aconteceu em tão pouco tempo que justifica essa guinada de uma organização tradicional, porém em franca decadência, para uma empresa que, depois de 4 anos, é eleita uma das referências globais em inovação?
Entrevista concedida por Bezos a Business Insider, em 2014, já dava indícios para esclarecer essa indagação: “Eu não sei nada sobre o negócio de jornais, porém eu conheço um pouco sobre Internet...”
O empreendedor não se envolveu nas questões editoriais, colocando profissionais competentes para liderar o coração do jornal. Ao invés disso, se dedicou a transformar o periódico em uma empresa de tecnologia.
Isso envolveu adotar práticas nativas de empresas digitais; contratar profissionais técnicos que, até então, não davam as caras nas empresas de mídia como engenheiros e cientistas de dados; desenvolver novos produtos dirigidos a novas demandas do próprio setor como o Arc , um serviço de gestão de conteúdos desenvolvido para atender as demandas do próprio jornal, mas que, devido a seu êxito, tornou-se um sistema ofertado a outras empresas do mercado editorial (atualmente, periódicos do mundo todo utilizam o sistema cujo universo de leitores atingidos ultrapassa a marca de 300 milhões e garante um faturamento inédito ao Grupo).
O resultado de toda essa transformação no negócio não tardou a aparecer em números. Em Novembro de 2016, o site do jornal superou 100 milhões de visitantes únicos e, em setembro de 2017, ultrapassou a marca de 1 milhão de assinantes digitais.
Esse caso é emblemático e deveria ser alvo de profundos estudos e análises por parte dos principais líderes do segmento de mídia e comunicação no Brasil. Já se vão quase 20 anos do início das discussões acerca do futuro da mídia em nosso país. Não foram poucos os que sentenciaram – e sentenciam – a sua morte perante a um ambiente de escassez de leitores.
O caso do Washington Post demonstra que existem caminhos virtuosos para recuperação da posição econômica das companhias do setor. Para isso, no entanto, é necessário coragem para se desvencilhar das crenças velhas e enraizadas que, até então, nortearam os rumos desses negócios.
Por mais “lugar comum” que possa parecer, a frase “o que nos trouxe até aqui, não nos levará ao futuro” é mais concreta e real do que nunca, porém ainda está evidente a dificuldade das organizações e seus líderes abandonarem o caminho das palavras fáceis e politicamente corretas e mergulhar na ação prática.
Toda empresa de mídia deve ser encarada como uma empresa de tecnologia na nova economia (aliás, não só as empresas de mídia...).
Bezos comenta que sua equipe técnica, composta por mais de 700 engenheiros (que triplicou nos últimos 3 anos), rivaliza com qualquer time de ponta do Vale do Silício. Hoje, profissionais talentosos, se interessam em fazer parte do quadro de colaboradores do Washington Post.
E a nossa realidade? As organizações do setor de mídia estão no mapa de nossos jovens?
Essa história não é uma abstração ou ficção. É concreta e real. Ela apresenta indícios de que a transformação nas empresas tradicionais é possível, porém passa por uma mudança cultural extrema e profunda. Bezos, mostra com o Washington Post, que a compatibilização da construção e manutenção de instituições de mídia críveis, fundamentais para a sociedade, com negócios virtuosos e prósperos, é um ideal a ser atingido.
Está aí uma notícia a ser comemorada em um momento onde a verdade na sociedade está em cheque com a ascensão midiática das famigeradas Fake News.
O caminho está posto. Quem se habilita?
(Artigo de minha autoria publicada no Meio & Mensagem edição de 26/03)