Os avanços tecnológicos geram desconforto, insegurança e, em algumas situações, muito medo. Rupturas mexem com o status quo e tiram o ser humano da zona de conforto. Nos Estados Unidos, o lançamento de uma nova tecnologia gerou muita preocupação na sociedade. Impactada pela influência desse movimento junto, sobretudo, aos jovens, uma analista sentenciou: “Essa tecnologia não mudará a forma como nos comportamos, mudará quem somos”. O repudio e a preocupação vinha de encontro ao estímulo ao excesso de individualismo e isolamento causados por essa onda que, rapidamente, assolou o país.
As discussões sobre os efeitos desse fenômeno logo se espalhou por todos meios de comunicação em todos os estados americanos e, estudiosos do comportamento humano, não tardaram em expressar sua preocupação com o futuro dos jovens já que aquela tecnologia criava barreiras invisíveis às relações interpessoais aos destruir a possibilidade de conversas e tornava pessoas irrelevantes para outras pessoas. Que sociedade estava sendo criada por meio desse comportamento tão nocivo?
Como consequência dessa reflexão, 9 estados americanos criaram leis para coibir a utilização dessa tecnologia nas ruas, porém todas as tentativas foram irrelevantes. Em menos de 1 ano de seu lançamento, ela estava presente em 1 de cada 11 domicílios americanos.
Você arrisca dizer qual é essa inovação?
Faz sentido inferir que se trata de uma discussão acerca dos riscos provenientes do assalto das mídias sociais na sociedade e, sobretudo seu impacto junto aos jovens, que correm o risco de isolar-se e preterir contatos pessoais. Outra possibilidade é que é uma reflexão relacionada ao avanço dos games que arrastam multidões e fazem com muitos fãs passem, literalmente, horas isolados em seus quartos testando suas habilidades individuais com pouca ou nenhuma interação com outros seres humanos.
Todas essas discussões são absolutamente atuais e contemporâneas, porém, se você arriscou algum desses movimentos, está redondamente enganado.
Toda essa preocupação remonta ao início da década de 80 e foi gerada devido ao avanço do Walkman em solo americano depois da Sony ter realizado um avassalador lançamento no Japão. Surpreendidos pela novidade, cuja parte mais visível e aterradora eram os headphones (fones de ouvido), a crítica americana não tardou a externalizar, de forma ruidosa, suas preocupações.
O ápice das discussões aconteceu na cidade de Woodbridge em New Jersey quando um cidadão resolveu questionar a lei e sair às ruas com seu fone de ouvido correndo o risco de ser preso por 15 dias, penalidade prevista aos transgressores que não seguissem as normas de proteção aos cidadãos daquela sociedade.
Historicamente, o ser humano tem dificuldade em entender os avanços tecnológicos. Essa evolução é irreversível e traduz movimentos sociais. No caso do Walkman, ele apenas catalisou um caminho que já estava sendo trilhado pela sociedade da época que, em contraposição ao coletivismo dos anos 60, fazia um movimento pendular de valorização do individualismo. Essa tendência explodiu nos anos 80 e a tecnologia desenvolvida pela Sony faz parte desse fenômeno.
Como a história comprovou posteriormente, o Walkman não foi à causa e sim uma das consequências de uma necessidade latente das pessoas terem seu próprio espaço e se expressarem como indivíduos. O lançamento desse aparelhinho foi o início de um movimento avassalador que culminou com a valorização da indústria fonográfica chegando aos dias atuais com os serviços de streaming de música como Spotify, Deezer entre outros.
Qualquer semelhança com o que acontece agora com o estranhamento causado perante as novas tecnologias, que alteram o status quo da sociedade, não é mera coincidência. As transformações, atualmente, são muito mais profundas do que é percebido pelo senso comum. Vão além do que poder consumir qualquer conteúdo em qualquer lugar e momento. Ou ainda da possibilidade de encontrar um motorista no momento que desejar a um clique. Não. Essas novas tecnologias são apenas a ponta do iceberg de um movimento muito mais intenso e de ruptura do que ocorreu na década de 80.
A primeira reação da sociedade ao novo, via de regra, é o estranhamento, o afastamento e, por que não dizer, muitas vezes, a negação da transformação. Seguramente esse não é o caminho para protagonizar a transformação. O primeiro passo para lidar com fenômenos desconhecidos é ter a abertura para entender sua profundidade e o desprendimento para considerar seu potencial de transformação.
Não é um processo fácil. Pelo contrário. É de grande complexidade e, talvez, seja um dos maiores desafios da sociedade contemporânea, já que a velocidade das mudanças é latente.
O desafio é tão grande que a mesma Sony, que iniciou um movimento que afetou toda a indústria fonográfica e ditou o comportamento de jovens no mundo todo, não conseguiu enxergar a tendência da música digital e perdeu essa batalha para a Apple e outras organizações que fizeram um bom mapeamento das tendências da sociedade.
Convém ficar mais atento diante de notícias de resistência na adoção de novas tecnologias como nas já populares discussões sobre as perspectivas nocivas do Uber ou a proibição quanto ao consumo de novos conteúdos do Netflix. A dinâmica é mais profunda do que se enxerga a olho nu.
Não é possível vislumbrar um futuro incerto. Por outro lado, é possível aprender com o passado, entender nossas limitações como seres humanos e colocar em cheque todas as certezas pré-concebidas. Bem vindo ao admirável mundo novo!